segunda-feira, 4 de junho de 2007

Cultura afro-brasileira em sala de aula

Discorrer sobre cultura africana e afro-brasileira é, acima de tudo, discutir sofre a face quase oculta da identidade brasileira. Á principio precisamos discernir qual a diferença entre cultura africana e afro-brasileira. Antes precisamos definir o que venha a ser cultura. Cliffort, em interpretação das culturas, a defini como toda e qualquer manifestação de um povo, Halbech complementa afirmando que um povo sem memória é um povo sem cultura, em conseqüência sem identidade. Então pode se afirmar que memória, cultura e identidade são palavras que se complementam entre si, e que patrimônio seja ele material ou imaterial nada mais é que a junção de todas estas palavras na prática, e que delas nasce e se explica nossa evolução ao longo de nossa diáspora neste planeta terra.

Em si tratando de cultura africana que tem como base a oralidade, se pode afirmar que muito se perdeu durante sua diáspora em terras brasileiras, mais sua influência é visível em nossa formação etnica e cultural, isto é inegável. O que se precisa entender é que, para se aprofundar melhor, na cultura chamada afro-brasileira temos que buscar, nas suas, nossas raízes, o fio da memória africana com todos seus mistérios, encantos e desencantos; mais se a base desta cultura tão rica é a oralidade, como reescrever está história? Preenchendo as lacunas encontradas com muitas pesquisas e, neste sentido, os monumentos históricos e a mitologia africana são grande aliadas. Em suma todo este ensaio se fez nessesario para percebermos que cultura africana é a mesma na sua essência antí-colonizaçaõ, e a afro-brasileira e a que nasceu com a miscigenaçaõ que se deu em nosso país durante a colonização. E ambas fazem parte de nossa identidade.

Identidade, afinal: quem somos, onde estão nossas raízes brasileiras? Podemos afirmar com certeza que se encontram inicialmente em três continentes: o americano, na forma de nossos indios, no europeu na pessoa dos portugueses, e também espanhóis que por um tempo também se abrigaram e brigaram por nossas terras, e em nossa terra mãe, o continente africano, berço da humanidade e da cultura imaterial. Durante bastante tempo o Brasil viveu sob a condição de colônia europeia, e o resultado disto sem dúvidas é vizivel no nosso comportamento até os dias atuais; era papel da colônia reproduzir em todos os sentidos a cultura da sua metrópole, no nosso caso o Portugal. Nossa arquitetura seguia a influência de nossa colônia. A nós cabia o de suporte em todos os sentidos, e quando o Brasil se tornou “independente” se sentiu a necessidade de buscar algo que desse um cara própria ao novo país que acabava de nascer. Onde buscar subsídios para entender e escrever esta história? Neste momento começaram a dar a importância devida a nossos monumentos, que até eram vistos como frutos da vaidade de nossas governantes, ou registro de suas façanhas e poder.

O termo patrimônio nasceu durante este periodo onde a elite brasileira buscava pela sua própria história e nela uma das suas identidades, e na busca desta história os monumentos históricos assumiram o papel de um fio condutor até a memória, até desconhecida enquanto peça fundamental na busca constante de nossa própria história.

Em 1922 Mário de Andrade, após meses de viagem pelos sertões do Brasil, lança um termo até então desconhecido: o patrimônio cultural imaterial. Mário Andrade ressaltou a necessidade de observar as diversas faces culturais de cada região, levando em consideração que cada povo tem seu jeito de ser, de fazer e que é único, e que isto é que define sua existência enquanto ser individual e social. A semana de arte moderna foi o resultado destas descobertas onde os artistas expunham sua maneira de ser e fazer, não só seu fruto de trabalho. A partir desse momento começa a discussão da necessidade de se separar patrimônio material de imaterial, não que exista um sem o outro, mais a divisão era e é uma forma de preservar melhor nossas manifestações, nosso jeito de ser e fazer, e acima de tudo entender melhor nossas diversas idêntidades ainda ocultas.

Em si tratando de ocultismo, nossa raiz africana é a mais desconhecida, em todos os termos, pois ainda nós deparamos com conceitos coloniais do tipo pais da África, África de negros e pobres, estes são os preconceitos mais amênos, pois não mencionei a intolerância religiosa, o preconceito nos espaços escolares. Então nós resta uma pergunta: afinal o que sabemos da África? O temos ensinado a nossas crianças? Este é o tema de nossa abordagem neste ensaio, fruto de pesquisas e experiências em sala de aula no que se refere a este patrimônio imaterial desconhecido, chamado “Cultura afro-brasileira e africana em sala de aula, desafios e perspectivas”. Dando seguimento a esta discussão faço referência a um trecho tirado de um livro criado pelo ministério da cultura para homenagear grandes nomes e manifestações que expressam uma das nossas faces á afro-brasileira.

“...Os sambas, as rodas, os bumbas, os meus e os bois... Aspectos e gestos essênciais da nossa vida cotidiana que, junto com muitos outros, são agora objeto das politicas de preservação cultural. Com essa públicação o ministério da cultura e o IPHAN vêm informar sobre os fundamentos e instrumentos da política de salvaguarda da dimensão imaterial do patrimônio cultural brasileiro. Assim como prestar contas dos seus resultados e dos desafios que vêm enfrentando. Esses jongos, violas, círios e ofícios são bens vivos mantidos pelas pessoas que os praticam. Preserva-los é valorizar seu conhecimento e ação...”

Conhecimento, pertencimento: palavras que expressam a necessidade de desvendar-mos essa face ainda oculta de nossa identidades brasileira, a afro. Se o respeito, o cuidado para nosso patrimônio, seja ele material ou imaterial, nasce do conhecer, pois através deste conhecer nós sentimos inseridos á este patrimônio então citado, ou á esta história vivenciada que cabe a nós enquanto educadores, enquanto gestores patrimoniais e sobre tudo enquanto brasileiros, tomar posse desta parte de nossa história não é mais importante que nossas outras raizes, mais tão importante quanto elas.

Então mais uma vez nós deparamos com o foco principal de nossas discussões: a educação. Mais uma vez cabe as escolas o papel de desvendar e ministrar a nossas crianças e adolescentes uma nova maneira de pensar o continente africano, o de patrimônio imaterial, berço de nossas histórias, de nosso samba, do bumba meu boi, das cores fortes e vibrantes, da força e alegria de viver, da melanina em excesso de nossa pele, do nosso lado espiritualista. Em suma este ensaio poderia acabar aqui só inumerando o rico patrimônio que o legado africano nós deixou, seja ele em forma de monumentos, já que em cada um existem sangue, suor e lágrimas dos nossos escravos e sobre tudo na riqueza de nosso patrimônio imaterial, nosso folclore, nossos griós, nossos jongos; conhecer e tomar posse é nosso papel, o de cidadãos conscientes de sua história e da importância da mesma para nossa perpetuação.

Em suma podemos nós perguntar: como inserir em sala de aula algo que até hoje foi ministrado aleatoriamente sem nem uma preocupação de se avaliar os reflexos do mesmo em nossa sociedade, até então a história do negro em nosso contexto era vista pelos olhos do colonizador, as contribuições dos mesmos resumidas á mão de obra escravas e á alguns martires negros que lutaram, e morreram esquecidos, massacrados por ousarem ser eles mesmos. Então porque não começar por eles, mais não como martires, mais como seres humanos átivos, que lutaram por um mundo melhor e que graças a eles, me deram a possibilidade de escrever abertamente sobre um tema que até então era visto como um tabú, o de nossa face africana.

Ao invés de semanas de arte, período em que a cultura afro aparece em mais evidência, precisamos de disciplinas bem elaboradas que falem uma linguagem que as crianças entendam - aí entra o lúdico tão citado por Freire como ponte ao mundo infantil - , debates, pesquisas, oficinas para despertar o interesse de nossos adolescentes, e, acima de tudo, grupos de pesquisas e parcerias com educadores natos ativistas e africanistas que sirvam de suporte para nossos educadores. Só assim fortaleceremos nossa rede, e assumiremos nossa verdadeira face de brasileiros, meio europeus, meio africanos e meio amerindios, sem desmerecer a importância de cada um, cada qual no seu papel. E em suma poderemos tomar posse deste patrimônio imaterial que até hoje nós é negado por falta de conhecimento.