terça-feira, 9 de janeiro de 2007

Entre a fé e a tradição: Festa de Reis do povoado de Água Limpa


Uma bandeira azul cor do céu, e no centro uma imagem de papel dos três Reis Magos por eles chamado de Santos Reis, gasto pelos anos e rica em tradição, imagem doada por um dos fundadores deste cortejo que há quase um século percorre os pequenos casebres de pau a pique que formam a comunidade rural de Agua Limpa, que fica a uns quarenta quilòmetros da cidade de Goiás, então patrimònio da humanidade.
Comunidade, esta, as vezes chamada de “Terra de preto” e as vezes “Remanescentes de quilombo”.
Remanescentes ou sobreviventes! Dizem os mais velhos desta comunidade que as primeiras terras ocupadas naquela região foram doadas em forma de seis marias a duas familia, os Corrêa da Silva e os Pinto Barroso, e que depois se juntaram aos de Deus. Muitas são as histórias contadas sobre os primeiros moradores da então chamada “água limpa”. Eles eram temidos pois conheciam a arte das magias, outros diziam que tinham conseguido suas terras matando seus senhores, pois eram ex escravos. No meu acadèmico ja existem teses em andamento que almejam provar que no território onde hoje é a comunidade existia no século dezoito um quilòmbo.
Na verdade a história da Água Limpa e a diáspora de seu povo esta bem expressa na manifestação da “folia de reis”, que é o periodo onde o velho e o novo se juntam, onde a fé e a tradição se misturam em uma festa que envolve católicismo popular, e muita devoção. Remanescentes, não! Sobreviventes de uma história marcada por perseguições e privações, onde o laço familiar e o coletivismo ainda são base social.
Algo de muito mágico envolve aquelas pessoas que por nove dias peregrinam de casa em casa rezando e louvando esta imagem presa a uma bandeira, que á todos naqueles dias é mais importante do que o próprio menino Jesus. Simplicidade e fé formam a base desta festa em louvor, onde pessoas semi–analfabetas entoam canticos em latim. Neste ano a festa foi na casa do seu Manoel e de dona Maria da Conceição, dois dos mais antigos moradores da fazenda. Eles nasceram lá, seus filhos e netos também, seus pais nasceram e morreram lá, quatro gerações de uma mesma familia unidas por uma fé ou uma tradição, não importa, todos os anos eles estão lá, rezando e agradecendo.
Esta é a fazenda Água Limpa ou a comunidade Água Limpa, não importa, remanescentes ou sobreviventes de quilombo o que importa é que a cada ano os Corrêa da Silva, os Serafim e os Pinto Barroso e muitas outras há variás gerações se juntam para celebrar a festa de Santos Reis e com ela relembram suas histórias de luta e sobrevivência.

A contadora de histórias


Um babalaò me contou que antigamente........

“...Laté ojó ilaí... Há muitos anos atrás, em tempos imemoriais, quando a terra se resumia em um único continente e todo coberto de água, pairava sobre ele o espirito da grande mãe Olodúmaré que, entediada com tudo que via, decidiu chamar seus sábios no intuito de descobrir uma maneira de dar vida á aquele espaço, que até o momento só abrigava seres maritímos. A reunião aconteceu no orúm onde viviam os grandes espiritos, todos compareceram, pois ninguém se recusaria a atender ao chamado da grande mãe.
A reunião se alargou por horas, dias, meses e não se chegava a um acordo. Iemanjá, filha primogenita e conselheira, dizia não querer mudança, já que era responsável pela limpeza das águas, mais sua mãe não queria o mesmo, ela queria vida e para isto precisavam de terra firme. Foi então que a grande mãe soprou em direção á água e as águas se juntaram deixando a mostra a terra do fundo. Ela mandou que cada sábio fizesse o mesmo, cada um em uma direção, e eles o fizeram e a terra apareceu, firme e acolhedora como a própria mãe ou o espirito dela e assim nasceram arvores e se criaram animais para usúfruir daquele espaço...”
Conto de criação do mundo segundo os Iórubas, povo africano que vivia e ainda vive em algunas partes da África central.

Iniciei este artigo com um resumo desta história porque é o que faço em um dos meus trabalhos: conto histórias que recolhi em meus sete anos de pesquisa sobre cultura africana. Eu adapto as histórias para que as crianças entendam e acima de tudo se divirtam, pois o aprendizado acontece neste momento.
A atividade de contar histórias nasceu no continente africano há muitos séculos atrás. Como se sabe, na tradição africana a oralidade é a base para eles o vivenciar, é a maior forma de aprendizado que os pais podem proporcionar aos filhos, então por séculos ao entardecer familias inteiras se reuniam para ouvir o que os mais velhos diziam. Ali se passavam horas onde os mais jovem se embebeciam da sabedoria de quem já havia vivido mais. Na África estas pessoas são chamadas de griós, pois além de contadores de histórias são conhecedores de mágias e plantas e animais, são sábios e muito respeitados.

Aqui no Brasil banalisam um pouco a palavra grió, quando dizem que griós são apenas contadores de histórias como eu, não querendo diminuir o que faço, pois se não acreditasse na importância disto para o crescimento das crianças não o faria. Mais o que digo é que o contar histórias é viver as mesmas e se divertir com elas, só assim se consegue passar a mensagem que a mesma traz para as crianças.